O blog Amante Literário entrevista Fernando Monteiro, poeta e cineasta pernambucano, homenageado da XI Bienal Internacional do Livro de Pernambuco.
Fernando Monteiro, você foi escolhido para ser homenageado na XI Bienal do Livro de Pernambuco ao lado de Lima Barreto. De alguma forma, sua literatura encontra semelhança com a literatura crítica de Lima Barreto? R – Creio que eu possa ter pontos de contato com a inquietude do Lima e também com o seu inconformismo, por exemplo, intrinsecamente em certos textos tanto de poesia como de prosa, incluindo aí uma página mensal, há 17 anos, no jornal curitibano RASCUNHO para a qual escolhi o título de “Fora de Sequência” exatamente para dar o tom de opinião “fora da ordem” ou “ponto de vista” que não leva em consideração os mirantes comuns, as lentes planas sobre pastagens de “mais-do-mesmo” etc. Claro, o grito de Lima Barreto – até pelas circunstâncias dramáticas da sua vida – segue nos impactando com uma ponta de dor que, antes de mais, requer que a homenagem a ele seja a verdadeira homenagem, aquela a que eu também me associo como admirador de um escritor posto à margem no seu tempo. Hoje, entretanto, ele felizmente compartilha do plano central da nossa literatura.
Como poeta e cineasta, você acha que a poesia pode ser considerada como uma quase extensão do corpo, uma busca para externar o que inquieta? E o cinema, teria a função de tridimensionar essas inquietações? R – Essa pergunta é ótima. E aponta para o conceito mais radical de que a poesia não é só literatura, mas algo que nos desloca mais do que no espaço e no tempo, sendo algo como a dança do espírito mais essencial, o movimento interior da alma que também pode ser levado para dentro de um filme, sim, que avance para além da paisagem ao redor, com “som e fúria”, conforme diria Shakespeare. A arte nos exige oferecer o pescoço, arriscá-lo em nome de verdades a serem alcançadas não sentados confortavelmente sobre almofadas, fixados no próprio umbigo insignificante ou voltados para “dentro da sequência” de pensamentos, ideias e posições previsíveis da manada do qual o artista se aparta a fim de dilatar as consciências.
Arthur Rimbaud disse, certa feita, ser difícil externar sentimentos através da alucinação das palavras. Acerca do processo criativo, você acha que é algo que se pode ensinar ou é intrínseco ao escritor? R – A técnica de escrever talvez por ser ensinada – e muito mais através do aprendizado (que cada um faz) como leitor. A danação, digamos assim, não. A danação a que pode ser perfeitamente associado o destino de um verdadeiro escritor, nunca-jamais poderá ser ensinada como se fosse uma receita de bolo para festas de domingos. Arte é transgressão, e não há regras para o transgredir – ou pelo menos para a liberdade de criar tentando domar essa “alucinação das palavras” da qual falava um poeta-vidente como Rimbaud.
“Eu não escrevo para agradar, nem para desagradar. Eu escrevo para desassossegar”, Segundo José Saramago, a função do escritor, se há alguma, é não calar. A literatura despertando o pensamento crítico do leitor. O que dá intensidade a uma obra, a ponto de desassossegar? R – A verdade intrínseca (repito). Verdades são frequentemente incômodas, e quando o escritor consegue passá-las para o papel – num processo igualmente catártico para ele – aí se forja o “núcleo duro” daquelas obras que vieram para ficar.
Em Seu livro Mattinata, encontramos poemas narrativos longos, que requerem uma leitura numa sequência contínua dos segmentos. Essa opção por poemas narrativos(e longos) é influência do cineasta Fernando Monteiro sobre o poeta Fernando Monteiro? R – Não, eu creio que não. Deve ter mais a ver com o meu gosto de leitor por poemas meditativos, ou até mesmo narrativos, cujo centro possui aquele “contenido novelesco” mencionado pelo poeta e teórico espanhol Dámaso Alonso. Ele sustentava que a poesia épica através dele conquistava o leitor, cativava o interesse por um “argumento” desenvolvido unicamente nos poemas longos, os quais têm que ser lidos desde o começo, sem abrir ao acaso os livros de poesia lírica, de sentimentos muitas vezes dispersos. Me atrai muito a concentração de significado que existe num poema de larga extensão. Por isso, sou um cultor dessa forma desde o meu primeiro livro de poesia, publicado pela editora da Universidade Federal de Pernambuco: “Memória do Mar Sublevado” (1973).
Finalizando, e ainda evocando seu livro, a pergunta que inquieta e ecoa: "E para que ser poeta em tempos de penúria?" R – Essa pergunta remonta à inquietação de Hölderlin, e foi retomada, aqui no Brasil, pelo poeta Roberto Piva, pouco antes de falecer. Piva era um rebelde, como você sabe, e também deixou essa pergunta no ar que, neste momento, é particularmente opressivo, quando o país avança noite adentro de uma “penúria” moral, cultural, social, de forma galopante. Para mim, é uma pergunta que a trajetória pessoal de cada artista deve responder, sem que possa se dar uma resposta imediata. Talvez seja necessário, mais do que nunca, ser poeta em tempos no qual a poesia é o “anti-produto” de Mercado, por excelência. Ela está , está “fora” do consumo, fora da ordem e, no final, fora da sequência numerada das consciências compradas por trinta ou mais “dinheiros” dos Judas que seguem traindo a si mesmos, antes de mais nada.
Agradecemos ao homenageado Fernando Monteiro pela disponibilidade e gentileza com que nos concedeu essa entrevista.
A Bienal Internacional do Livro de Pernambuco terá início nessa sexta feira, 06, e se estenderá até o próximo dia 15, no Centro de Convenções, em Olinda - PE.
Entrevista cedida a Josy Almeida, ela é escritora, contista, natural da cidade de Garanhuns - PE. Reside em Recife, é Servidora Pública Federal, Técnica Administrativa em Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e integrante da UBE/Recife (União Brasileira de Escritores).