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A marca



Eu vou falar do LIVRO A MARCA, escrito por Constâncio Viana Coutinho, lançado de forma independente. Era ainda de madrugada quando três pessoas saíram pela porta da pequena casa de pau a pique. Na frente um homem de meia idade, seguido por uma mulher aparentando mais de setenta anos, mas que os passos firmes davam a quase certeza de ser mais nova, e junto com ela uma adolescente com quinze ou dezesseis anos. Talvez por causa do horário, o clima era agradável, nem calor nem frio, o que tornava a caminhada menos penosa. Por causa do horário, a rua empoeirada de chão batido estava completamente deserta e iluminada apenas por lâmpadas suspensas em postes de madeira que, por medida de economia, foram colocadas a uma distância muito grande uma da outra, o que resultava em espaços escuros entre elas. Só alguns cães vira- latas davam latidos, estranhando o movimento numa rua quase sempre deserta naquele horário. Eram poucos latidos, como se reconhecessem os passantes, sempre voltavam aos lugares onde antes descansavam. O homem parecia nervoso e, talvez por isso, ia a passos mais acelerados, como se quisesse obrigar as duas mulheres a andar mais depressa. A velha, apesar de ter sido acordada no meio da madrugada, não demonstrava nenhum sinal de incômodo ou aborrecimento. Pelo contrário, assim como seu jeito de andar, seu rosto enrugado aparentava calma e tranquilidade, parecendo absorta em seus próprios pensamentos ou como se estivesse caminhando desligada de tudo. A adolescente demonstrava a mesma tranquilidade.De repente, como do nada, um raio cortou o céu, o que chamou a atenção do trio, já que a temporada de chuvas, sempre tão pouca na região, ainda se encontrava muito distante. Dos três, a mulher mais velha foi a quem o fenômeno da natureza pareceu chamar mais a atenção. Ela franziu a testa, que ficou ainda mais enrugada, e passou a reparar com cuidado ao seu redor. Ana, como foi batizada, era conhecida de todos daquela pequena vila de pouco mais de 80 pessoas pelo o que consideravam seus dons. Além de parteira, assim como sua mãe, sua avó e, até onde soube, sua bisavó, era, também dotada de outros predicados que a faziam muito conhecida e respeitada na região, além dos limites do lugarejo. Conhecia os segredos do uso de todas as ervas que, em forma de chá, curavam as doenças, e rezas e banhos que afastavam a inveja, mau-olhado, quebranto e outros males. Diziam que também era capaz de, ouvindo espíritos, fazer previsões. Por isso, recebia a visita de gente de outros lugarejos e até de algumas cidades maiores que ficavam próximas..A adolescente, Isabel, também pareceu achar estranho o fenômeno e olhou para a velha, que era sua avó. Percebeu sua preocupação e insistiu no olhar para ver se conseguia alguma resposta. Isabel, ao contrário de sua mãe que nunca se interessou ou demonstrou ter herdado os dotes de Ana, desde pequena seguia a avó nos seus afazeres. Já tinha acompanhado vários partos e já sabia preparar chás e poções para banhos e, até, fazia algumas rezas para casos mais simples..Ao perceber a atenção da neta, Ana lhe dirigiu um olhar e acenou com a cabeça. Isabel também balançou a cabeça e ficou mais séria, como se tivesse recebido a informação de que alguma coisa diferente está acontecendo ou vai acontecer. Enquanto as duas pareciam conversar mentalmente o homem, depois de caminhar pouco mais de trezentos metros, dobrou numa rua sem iluminação e se dirigiu a uma cerca de galhos secos entrelaçados, que servia mais para marcar o limite do terreno do que para garantir alguma segurança para quem morava na minúscula casa, também de pau a pique. Depois de abrir o pequeno portão da cerca, se dirigiu para a porta da casa, que empurrou com a mão, abrindo apenas a parte de cima, já que ela era divida ao meio. Esticou o braço para a parte de dentro, puxou uma cancela e abriu o resto da porta. As duas, seguindo o homem, entraram na casa e com poucas passadas atravessaram um pequeno espaço e chegaram a uma porta que dava para o segundo cômodo. Um pequeno quarto mobiliado apenas por dois bancos e uma mesa rústica onde estavam colocados uma moringa de barro daquelas usadas para guardar água, duas canecas de metal e outros pequenos objetos. O restante da mobília era uma caixa de madeira, sem tampa, que aparentava ser usado como guarda-roupa, e um estrado de madeira bruta coberto por um colchão de chita recheado de capim seco e que servia de cama. O ambiente era iluminado por uma lâmpada de pouca voltagem, mas que aclarava o quarto em virtude seu pequeno tamanho. A simplicidade contrastava com o capricho e cuidado demonstrado em cada detalhe de uma casa simples do interior. Sobre aquele leito, uma mulher jovem, de pele queimada pelo sol, resultado do trabalho diário na roça, vestida com um largo camisolão. Muito suada, aparentava uma ligeira expressão de dor, angústia e talvez até um pouco de impaciência. Uma olhadela dava a certeza que a gravidez estava em estágio avançado. Para Ana, parteira experiente, o rápido olhar bastou para saber que o rebento deveria nascer muito em breve, e imediatamente informou a neta usando o método de comunicação já comum entre elas: um breve olhar e um balançar de cabeça. Isabel entendeu a mensagem e se dirigindo ao homem perguntou onde poderia conseguir água quente e alguns panos limpos. José abriu uma segunda porta do cômodo e indicando para a jovem um cubículo que servia de cozinha, onde sobre um fogão de barro aceso já havia uma panela de alumínio com água. Enquanto a garota ia até o fogão e examinava a quantidade de água na panela o homem foi até a caixa de madeira que servia de guarda-roupa e pegou dois pacotes embrulhados por papel pardo. Um ele entregou para a parteira e outro colocou como estava, sobre a mesa. Ana desembrulhou com calma e retirou de dentro o que pareciam ser restos de roupa velha, mas limpos e cheirando a alguma erva que lembrava alecrim. Separou os panos e os arrumou com cuidado sobre a cama e só aí se dirigiu a moça grávida com um sorriso e tentando acalmá-la. - Calma Conceição, logo, logo isso estará resolvido e você vai ter um lindo menino para cuidar. Pode doer um pouco, mas pelo que acompanhei da sua gravidez e da última visita que fiz tudo vai ser rápido. Confia em mim. Disse procurando acalmar a jovem grávida. Em seguida colocou a mão sobre a barriga da mulher, fechou os olhos e começou a murmurar muito baixinho algumas palavras ininteligíveis. Quem conhecia já sabia do ritual. O trabalho de parto começa com uma reza. Todos acreditavam que a oração acelerava o momento, bem como aliviava as dores provenientes do nascimento da criança. Depois algum tempo, levantou a roupa da grávida, dobrou seus joelhos e olhou para a porta da cozinha procurando a neta. Isabel, atenta, já esperava o sinal da avó. Balançou a cabeça pegou a panela pela alça e levou para o quarto, colocando em cima de um dos dois bancos e ficou esperando. Poucos minutos depois Conceição passou a respirar mais ofegante e Ana pode ver que o parto se aproximava e a cabeça da criança despontava. Nesse momento um terceiro trovão foi ouvido, tão forte que a casa pareceu tremer. O susto quase fez Ana esquecer a criança e se concentrar em orações contra raios e trovoadas. Em 20 minutos quando tudo parecia estar resolvido com o nascimento do bebê, depois de muita dor e algum sofrimento, a experiente parteira tem o semblante modificado de alegria para espanto e certa admiração pelo que vê. O bebê nasceu envolto no liquido amniótico, mas também com sangue nas mãos. Ana, com experiência em dezenas de partos, pela primeira vez se depara com algo tão incomum. O sangue vinha do bebê que nasceu com furos nas mãos, como se fossem os estigmas de Jesus Cristo. A parteira corta o cordão umbilical, o enrola em panos limpos e o entrega a mãe. Sua mãe ainda sentindo muitas dores o pega no colo, chamando o nome de Jesus, chorando compulsivamente, segurando suas mãos que ainda sangravam pelas perfurações. Ele cresceu e as cicatrizes jamais sumiram. Padres e especialistas religiosos de vários lugares do mundo vieram a sua pequena cidade para conhecer o menino do estigma. Um bispo da igreja católica pediu a mãe que o matriculasse em um seminário aos 16 anos, para que ele pudesse desenvolver sua religiosidade, assessorado por outros padres, de forma que pudesse entender o que carregava. Jesus nunca contou a ninguém, mas ele tinha um dom especial, que era o de ver e conversar com espíritos. Ele via pessoas mortas, que foram boas ou muito más. Muitas dessas almas queriam apenas encontrar o caminho da luz e Jesus ainda não sabia como ajudá-las. Depois de seis anos em uma escola para padres, Jesus Dias (22), que nasceu em uma família extremamente católica, desiste da ideia de ser padre e abandona o seminário. Ele carrega um grande segredo de fatos que presenciou ao longo dos anos recluso no seminário. Jesus cresceu ouvindo sua mãe, que é benzedeira em uma cidade do interior, dizendo a ele que o seu destino seria livrar o mundo das criaturas malignas que se escondem entre as pessoas. Ele carrega nas mãos os estigmas de Jesus Cristo, criados pelos pregos que foram cravados no momento da crucificação.

 
 
 

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