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Foto do escritorClaudio Correa Monteiro

O Garatuja

Vou falar de mais um livro pouco conhecido de José de Alencar chamado O Garatuja que transcorre na “leal cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro em meados do século XVIII (1659), quando a cidade sequer era capital, e tem por pano de fundo um conflito entre a Igreja (mais especificamente, o prelado Doutor Manuel de Sousa e Almada) e a administração colonial que resulta na excomunhão do ouvidor, gerando um grande "alvoroto" (alvoroço). O personagem central, Ivo do Val, é um enjeitado, “filho de criação” da “donzela recatada” Rosalina das Neves, que o teria “achado uma noite à porta da casa, onde morava então com sua família”, mas segundo as más línguas – das quais a mais ferina era da Pôncia, que gostava de “espreitar por detrás da rótula o que ia pela rua, para enredar os vizinhos e falar mal da vida alheia” – “fruto dos amores da donzela com um alferes”. Ivo recebe a alcunha de Garatuja devido à mania, como um precursor dos grafiteiros atuais, de “trocar as pernas pelas ruas de São Sebastião, e riscar toda a parede que lhe caía debaixo do carvão”. Ivo torna-se aprendiz do pintor de casas Belmiro Crespo, onde “passava o melhor de seu tempo, a ajudar os vários misteres da pintura, no que se foi tornando perito”. Um belo dia, achando-se numa encruzilhada na área que hoje corresponde à Lapa, “apareceu-lhe em frente uma menina que vinha pelo caminho da Carioca [...] com os cabelos ao vento, e a saia rocegada por causa do orvalho”, chamada Marta. Ao vê-lo, Marta assusta-se (“-Senhora mãe, um caipora!”). Ela é filha do tabelião Sebastião Ferreira Freire, dono de cartório. Atraído pela menina (“Tudo lhe servia de pretexto para [...] fincar-se horas e horas, como um mastro de Natal, em frente à porta do tabelião”), desenha um Cupido “brincão e gentil [...] em ação de brandir uma seta, cuja ponta embebia na luz de uma estrela radiante em céu azul, para cravar um coração caído por terra”. Rosalina, cujo sonho era ver o filho "adotivo" admitido no cartório de Sebastião, confundindo o Cupido com o Menino Jesus, decide levar a imagem a Romana Mência, “uma devota [...] perdida por tudo quanto era santo e cousa de beatice”, que era sogra do tabelião. Depois disso, Rosalina leva Ivo à casa da velha Romana, onde naquela noite rezava-se a novena. “Colocou-se o rapaz de modo que pudesse espiar o rostinho de Marta, oculto sob o capuz da mantilha.” O rapaz acaba sendo admitido no cartório. Um dia, ao escrever um edital que começava por M., inicial de Marta, enfeitou a letra com tantos “emblemas de amor” – anjinhos, flores, colibris – que foi mandado embora do cartório. Mas continuava se encontrando furtivamente com Marta. Uns minoritas (religiosos da Ordem de São Francisco) fâmulos do prelado Almada perturbam a vida da família do tabelião, e Ivo prega-lhes peças. O tabelião queixa-se ao Ouvidor Geral, que abre uma devassa. No dia em que o ouvidor partiria em viagem ao Espírito Santo, o prelado, em represália, excomunga-o em público com toda a solenidade do latim: te excommunicamus... O ouvidor leva o caso (“grave atentado cometido contra a majestade de El-Rei, nosso senhor, e sua autoridade que a todos nós fiéis súditos, cumpre defender”) ao Senado da Câmara. Ivo organiza um motim de estudantes e em plena noite a população, desperta por um sino e atraída por um clarão ao Rossio do Carmo (atual Praça XV), depara, no alto do pelourinho, como uma alegoria ou caricatura que debochava do prelado e da fradaria, pintada por Ivo. A população está revoltada com as arbitrariedades do prelado e, para apaziguá-la, um moleque e um caboclo acabam servindo de bodes expiatórios para as estripulias dos minoritas. O tabelião flagra Ivo surrupiando um beijo de Marta e leva o casal ao cartório para casá-los. A condição: que Ivo abandone a pintura. O livro é o primeiro volume da trilogia escrita pelo autor que se chama Alfarrábios: cronicas dos tempos coloniaes é uma trilogia de romances históricos que foi publicada em 1873, onde Alencar reuniu três histórias em dois volumes, dedicadas à vida no período colonial. No primeiro, veio O Garatuja (alvo dessa resenha) que é romancete baseado num episódio narrado por Baltasar da Silva Lisboa, nos Anais do Rio de Janeiro; no segundo, duas novelas escritas ainda no tempo de estudante, A alma de Lázaro e O ermitão da Glória. O perfil e a história dos textos vêm descritos no texto de apresentação da coletânea, intitulado Cavaco. O livro é sensacional e fino, ou seja, pode ser lido em pouco tempo.




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