Vou falar do livro de Joaquim Nabuco, O Abolicionismo publicado em 1883, cuja edição que eu li é lançada pela editora Nova Fronteira no ano de 2000 em parceria com a Publifolha em comemoração aos 500 anos do Brasil. Nesta obra, Nabuco discute o abolicionismo e a escravidão numa acepção ampla. Sua ideia de escravidão não se reduzia à relação senhor-escravo, mas abrangia também as relações do escravismo com o meio físico, o sistema de propriedade da terra, o comércio, a indústria, a cultura, o regime político e o Estado. Em função desse caráter sistêmico da escravidão, Nabuco defendia o abolicionismo como a reforma nacional por excelência, que deveria ser alcançada. Ele escrevia em 1883: “acabar com a escravidão não nos basta; é preciso destruir a obra da escravidão”, a qual não podia limitar-se apenas à “democratização do solo”, isto é, a reforma agrária. O Abolicionismo constitui o primeiro texto a articular uma visão totalizadora da nossa formação histórica, fazendo-o a partir do regime servil. Nabuco dedicou-se a produzir uma obra de propaganda, sem a ambição teórica inerente a um livro de sociologia, mas nos legou reflexões profundas e perenes que merecem ser avivadas e discutidas ricamente. Nabuco faz uma espécie de reflexão sobre a lei do Ventre Livre, publicada em 28 de setembro de 1871, a lei que considerando livre todos os filhos de mulheres escravas nascidos a partir de então, que diz: "LEI Nº 2.040, DE 28 DE SETEMBRO DE 1871
Declara de condição livre os filhos de mulher escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da Nação e outros, e providencia sobre a criação e tratamento daquelles filhos menores e sobre a libertação annaul de escravos.....
A Princeza Imperial Regente, em nome de Sua Magestade o Imperador e Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os subditos do Imperio que a Assembléa Geral Decretou e ella Sanccionou a Lei seguinte:
Art. 1º Os filhos de mulher escrava que nascerem no Imperio desde a data desta lei, serão considerados de condição livre.
§ 1º Os ditos filhos menores ficarão em poder o sob a autoridade dos senhores de suas mãis, os quaes terão obrigação de crial-os e tratal-os até a idade de oito annos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãi terá opção, ou de receber do Estado a indemnização de 600$000, ou de utilisar-se dos serviços do menor até a idade de 21 annos completos. No primeiro caso, o Governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente lei. A indemnização pecuniaria acima fixada será paga em titulos de renda com o juro annual de 6%, os quaes se considerarão extinctos no fim de 30 annos. A declaração do senhor deverá ser feita dentro de 30 dias, a contar daquelle em que o menor chegar á idade de oito annos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbitrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor.
§ 2º Qualquer desses menores poderá remir-se do onus de servir, mediante prévia indemnização pecuniaria, que por si ou por outrem offereça ao senhor de sua mãi, procedendo-se á avaliação dos serviços pelo tempo que lhe restar a preencher, se não houver accôrdo sobre o quantum da mesma indemnização.
§ 3º Cabe tambem aos senhores criar e tratar os filhos que as filhas de suas escravas possam ter quando aquellas estiverem prestando serviços. Tal obrigação, porém, cessará logo que findar a prestação dos serviços das mãis. Se estas fallecerem dentro daquelle prazo, seus filhos poderão ser postos à disposição do Governo.
§ 4º Se a mulher escrava obtiver liberdade, os filhos menores de oito annos, que estejam em poder do senhor della por virtude do § 1º, lhe serão entregues, excepto se preferir deixal-os, e o senhor annuir a ficar com elles.
§ 5º No caso de alienação da mulher escrava, seus filhos livres, menores de 12 annos, a acompanharão, ficando o novo senhor da mesma escrava subrogado nos direitos e obrigações do antecessor.
§ 6º Cessa a prestação dos serviços dos filhos das escravas antes do prazo marcado no § 1°, se, por sentença do juizo criminal, reconhecer-se que os senhores das mãis os maltratam, infligindo-lhes castigos excessivos.
§ 7º O direito conferido aos senhores no § 1º transfere-se nos casos de successão necessaria, devendo o filho da escrava prestar serviços á pessoa a quem nas partilhas pertencer a mesma escrava.
Art. 2º O Governo poderá entregar a associações por elle autorizadas, os filhos das escravas, nascidos desde a data desta lei, que sejam cedidos ou abandonados pelos senhores dellas, ou tirados do poder destes em virtude do art. 1º § 6º.
§ 1º As ditas associações terão direito aos serviços gratuitos dos menores até a idade de 21 annos completos, e poderão alugar esses serviços, mas serão obrigadas:
1º A criar e tratar os mesmos menores;
2º A constituir para cada um delles um peculio, consistente na quota que para este fim fôr reservada nos respectivos estatutos;
3º A procurar-lhes, findo o tempo de serviço, apropriada collocação.
§ 2º As associações de que trata o paragrapho antecedente serão sujeitas á inspecção dos Juizes de Orphãos, quanto aos menores.
§ 3º A disposição deste artigo é applicavel ás casas de expostos, e ás pessoas a quem os Juizes de Orphãos encarregarem da educação dos ditos menores, na falta de associações ou estabelecimentos creados para tal fim.
§ 4º Fica salvo ao Governo o direito de mandar recolher os referidos menores aos estabelecimentos publicos, transferindo-se neste caso para o Estado as obrigações que o § 1º impõe ás associações autorizadas.
Art. 3º Serão annualmente libertados em cada Provincia do Imperio tantos escravos quantos corresponderem á quota annualmente disponivel do fundo destinado para a emancipação.
§ 1º O fundo de emancipação compõe-se:
1º Da taxa de escravos.
2º Dos impostos geraes sobre transmissão de propriedade dos escravos.
3º Do producto de seis loterias annuaes, isentas de impostos, e da decima parte das que forem concedidas d'ora em diante para correrem na capital do Imperio.
4º Das multas impostas em virtude desta lei. 5º Das quotas que sejam marcadas no Orçamento geral e nos provinciaes e municipaes. 6º De subscripções, doações e legados com esse destino.
§ 2º As quotas marcadas nos Orçamentos provinciaes e municipaes, assim como as subscripções, doações e legados com destino local, serão applicadas á emancipação nas Provincias, Comarcas, Municipios e Freguezias designadas.
Art. 4º É permittido ao escravo a formação de um peculio com o que lhe provier de doações, legados e heranças, e com o que, por consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e economias. O Governo providenciará nos regulamentos sobre a collocação e segurança do mesmo peculio.
§ 1º Por morte do escravo, a metade do seu peculio pertencerá ao conjuge sobrevivente, se o houver, e a outra metade se transmittirá aos seus herdeiros, na fórma da lei civil. Na falta de herdeiros, o peculio será adjudicado ao fundo de emancipação, de que trata o art. 3º.
§ 2º O escravo que, por meio de seu peculio, obtiver meios para indemnização de seu valor, tem direito a alforria. Se a indemnização não fôr fixada por accôrdo, o será por arbitramento. Nas vendas judiciaes ou nos inventarios o preço da alforria será o da avaliação.
§ 3º É, outrossim, permittido ao escravo, em favor da sua liberdade, contractar com terceiro a prestação de futuros serviços por tempo que não exceda de sete annos, mediante o consentimento do senhor e approvação do Juiz de Orphãos.
§ 4º O escravo que pertencer a condominos, e fôr libertado por um destes, terá direito á sua alforria, indemnizando os outros senhores da quota do valor que lhes pertencer. Esta indemnização poderá ser paga com serviços prestados por prazo não maior de sete annos, em conformidade do paragrapho antecedente.
§ 5º A alforria com a clausula de serviços durante certo tempo não ficará annullada pela falta de implemento da mesma clausula, mas o liberto será compellido a cumpril-a por meio de trabalho nos estabelecimentos publicos ou por contractos de serviços a particulares.
§ 6º As alforrias, quér gratuitas, quér a titulo oneroso, serão isentas de quaesquer direitos, emolumentos ou despezas.
§ 7º Em qualquer caso de alienação ou transmissão de escravos, é prohibido, sob pena de nullidade, separar os conjuges, e os filhos menores de 12 annos, do pai ou da mãi.
§ 8º Se a divisão de bens entre herdeiros ou sócios não comportar a reunião de uma familia, e nenhum delles preferir conserval-a sob o seu dominio, mediante reposição da quota parte dos outros interessados, será a mesma famlia vendida e o seu producto rateado.
§ 9º Fica derogada a Ord. liv. 4º, titl 63, na parte que revoga as alforrias por ingratidão.
Art. 5º Serão sujeitas á inspecção dos Juizes de Orphãos as sociedades de emancipação já organizadas e que de futuro se organizarem.
Paragrapho unico. As ditas sociedades terão privilegio sobre os serviços dos escravos que libertarem, para indemnização do preço da compra.
Art. 6º Serão declarados libertos:
§ 1º Os escravos pertencentes á nação, dando-lhes o Governo a occupação que julgar conveniente.
§ 2º Os escravos dados em usufructo à Corôa.
§ 3º Os escravos das heranças vagas.
§ 4º Os escravos abandonados por seus senhores. Se estes os abandonarem por invalidos, serão obrigados a alimental-os, salvo o caso de penuria, sendo os alimentos taxados pelo Juiz de Orphãos.
§ 5º Em geral, os escravos libertados em virtude desta Lei ficam durante cinco annos sob a inspecção do Governo. Elles são obrigados a contractar seus serviços sob pena de serem constrangidos, se viverem vadios, a trabalhar nos estabelecimentos publicos. Cessará, porém, o constrangimento do trabalho, sempre que o liberto exhibir contracto de serviço.
Art. 7º Nas causas em favor da liberdade:
§ 1º O processo será summario.
§ 2º Haverá appellações ex-officio quando as decisões forem contrarias á liberdade.
Art. 8º O Governo mandará proceder á matricula especial de todos os escravos existentes do Imperio, com declaração do nome, sexo, estado, aptidão para o trabalho e filiação de cada um, se fôr conhecida.
§ 1º O prazo em que deve começar e encerrar-se a matricula será annunciado com a maior antecedencia possivel por meio de editaes repetidos, nos quaes será inserta a disposição do paragrapho seguinte.
§ 2º Os escravos que, por culpa ou omissão dos interessados, não forem dados á matricula, até um anno depois do encerramento desta, serão por este facto considerados libertos.
§ 3º Pela matricula de cada escravo pagará o senhor por uma vez sómente o emolumento de 500 réis, se o fizer dentro do prazo marcado, e de 1$000 se exceder o dito prazo. O producto deste emolumento será destinado ás despezas da matricula e o excedente ao fundo de emancipação.
§ 4º Serão tambem matriculados em livro distincto os filhos da mulher escrava, que por esta lei ficam livres. Incorrerão os senhores omissos, por negligencia, na multa de 100$ a 200$, repetida tantas vezes quantos forem os individuos omittidos, e, por fraude nas penas do art. 179 do codigo criminal.
§ 5º Os parochos serão obrigados a ter livros especiaes para o registro dos nascimentos e obitos dos filhos de escravas, nascidos desde a data desta lei. Cada omissão sujeitará os parochos á multa de 100$000.
Art. 9º O Governo em seus regulamentos poderá impôr multas até 100$ e penas de prisão simples até um mez.
Art. 10. Ficam revogadas as disposições em contrário.
Manda, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nella se contém. O Secretario de Estado de Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas a faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro, aos vinte e oito de Setembro de mil oitocentos setenta e um, quinquagesimo da Independencia e o Imperio.
PRINCEZA IMPERIAL REGENTE
Theodoro Machado Freire Pereira da Silva.
Este texto não substitui o publicado na CLBR, de 1871
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